© Henrique Figueiredo
«Pensar o estado do mundo a partir dos estados individuais.» É assim que Ynaiê Dawson (São Paulo, 1979) descreve a ideia subjacente ao projecto que está a desenvolver no Sítio das Artes. «O Amor com elo entre as pessoas» é o território que pretende explorar no seu trabalho. Quem visitar o espaço de residência dela é convidado desde logo a deixar as suas impressões por escrito. A pergunta é: «Tem alguma questão em relação ao amor?» Também lá estão as definições de "Íntimo" e de "Intimidade", que terá ido buscar a um dicionário ou enciclopédia, afixadas em letra bem grande e legível.
Interessa-lhe explorar o discurso sobre o Amor e por isso tomou como ponto de partida para o seu trabalho os diálogos de Platão em "O Banquete", onde pela voz de vários comensais são expostas diversas concepções do amor. Ynaiê levou o dispositivo à letra e trouxe vários convidados até ao CAMJAP - quatro grupos de quatro pessoas para quatro jantares diferentes - onde estão montadas à volta de uma mesa quatro câmaras de vídeo para captar as imagens decorrentes da conversa que dura o tempo de uma refeição. «É uma mega-produção», resume Ynaiê, que tem formação em fotografia e artes plásticas, que já viveu no Rio de Janeiro, Londres e agora em Lisboa. Ainda não decidiu como vai apresentar no dia 28 de Julho o resultado da edição de horas e horas de gravação. Possivelmente será como instalação, com a montagem das imagens a passar em loop.
Falta ainda referir um elemento essencial no projecto de Ynaiê: como estímulo para a discussão que iria filmar, a artista pediu aos intervenientes que tivessem em mente a perspectiva de Hannah Arendt em "A Condição Humana", que contradiz a sua ideia original afirmando que o Amor 'morre' se trazido para a esfera pública. Nas palavras da própria autora:
(...)existem assuntos muito relevantes que só podem sobreviver na esfera privada. O amor, por exemplo, em contraposição à amizade, morre, ou antes, extingue-se assim que é trazido a público.(...)Dada a sua inerente natureza extraterrena, o amor só pode falsificar-se e perverter-se quando utilizado para fins políticos, como a transformação ou salvação do mundo. (Hannah Arendt in "A Condição Humana")
segunda-feira, 16 de julho de 2007
O que pode o Amor?
Publicada por EdM à(s) 12:35
Etiquetas: Sítio das Artes
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47 comentários:
...O amor, por exemplo, em contraposição à amizade, morre, ou antes, extingue-se assim que é trazido a público.(...)Dada a sua inerente natureza extraterrena, o amor só pode falsificar-se e perverter-se quando utilizado para fins políticos, como a transformação ou salvação do mundo. (Hannah Arendt in "A Condição Humana")
Sim.
Nao sei, vou pensar...
Mas e os poetas e
nós quando amamos com as palavras deles
aos olhos de todos e
só nossas?
«Tem alguma questão em relação ao amor?"
Eu queria ter como a Ana Santos de « Da ideia ao gesto »
uma questão para trabalhar:
«Estou sempre a trabalhar no mesmo desenho, embora formalmente tenha resultados muito díspares. Se essa procura resultar bem, resulta no mesmo desenho.»
O que pode o Amor?
O Amor
uma invenção grega bem encenada
o tempo todo
com ela
sem Ele
à espera
sim.
« Agora falando sério… «
Os nossos irmãos/irmãs brasileiros curiosos do nosso amor (trágico)
querem ouvir-nos «falar» de Amor . Projecto exótico … não para mim, afeita à sedução deles, não do Amor deles…
1
Senhor, ja me tiraste o que eu mais queria.
…
2.
Todo o Amor é fantasia;
Ele inventa o ano, o dia,
A hora e a melodia;
Inventa o amante e, mais,
a amada. Não prova nada contra o amor, que a amada
não tenha existido jamais.
Eugénio de Andrade, »Trocar de rosa », Ant ónio Machado, Círculo de Leitores, 1987
Fidelidade
... Nas ruas da cidade anda o meu amor. Pouco me importa onde vá no tempo dividido. Já não é o meu amor, quem quer que seja lhe pode falar. Já nem sequer se lembra; quem na verdade o amou e ilumina de longe para que se mantenha de pé?
Eugénio de Andrade, »Trocar de rosa », René Char, Círculo de Leitores, 1987
Habitante da dor
Não deixes o cuidado de governar teu coração a essas ternuras, pai e mãe do outono, a quem emprestam o plácido andar e a sua afável agonia. Os olhos são precoces em rugas. O sofrimento conhece poucas palavras. Opta por deitar-te sem fardo: sonharás com o dia seguinte e o leito ser-te-á leve...
(…)
Estás furioso com o teu amor no centro de uma inteligência que enlouquece...
(..)
Julgaste ver passar a beleza sobre a alfazema negra...
(...)
Nenhum cerco é puro.
Eugénio de Andrade, »Trocar de rosa », René Char, Círculo de Leitores, 1987
Sim
há palavras
cheirosas
como sementes de
alfazema.
Quando chegam
leves
de surpresa
como as amamos!
«Tem alguma questão em relação ao amor?"
Sim. Existe?
Ai, MJH, existe assim:
querermos saber...
Ao sedutor
Um acaricia o pé da cadeira
Até a cadeira mexer
E com o pé lhe fazer um sinal amável
Outro beija a fechadura
Como um doido vai-a beijando
Até a fechadura lhe dar um beijo também
Um terceiro mantém-se de lado
Olha-os de revés e abana a cabeça
Abana a cabeça
Até que lhe cai
Não ha uma folha
Que não precise
De qualquer coisa
Como de um ombro.
GUILLEVIC
Canção
Se tu ouvisses
o loendro amargo chorar,
que farias, meu amor?
Suspirar!
Se tu sentisses a luz
chamar-te quando se vai,
que farias, meu amor?
Lembrar-me-ia do mar.
Se um dia eu dissesse
- amo-te - no meu olival,
que farias, meu amor?
Cravaria este punhal!
GARCIA LORCA
Indisposição
A manhã encntrou-o doente.
Ontem à tarde abateram-no com palavras enormes.
Ele não as suportava, nem podia sacudi-las de si proprio.
Em frente pintavam a casa de branco puro,
um branco incongruente. As vozes dos pintores,
muito altas no sol de inverno. Um deles começou a beijar a chaminé,
como se, fizesse amor com ela. Gotas de cal
caem, espessas, na terra escura de folhas apodrecidas.
YANNIS RITSOS
Nota: "Ao Sedutor" de Vasko Popa in
Eugénio de Andrade, "Poesia e Prosa,"Trocar de Rosa", Circulo de Leitores, 1987.
XXV
... Abrasas-me ...
Eugénio de Andrade,"Poemas e fragmentos de Safo", Circulo de Leitores, 1987.
... Et je reste seul, avec ma ridicule tendresse en chomâge...
A. Cohen, "Le livre de ma mère"
Caminho no fio da racionalidade. Olho para os lados, para baixo, para cima.é assim me equilibro: olhos e ouvidos bem despertos. Ouço-me.Conheço bem a corda, fui eu que a lancei, não temo travessias...
« ... Meu amor este jardim é escuro (…) És um provocador. Macio castanho o olhar. Dentes brancos na boca o riso... Só a beleza dá força. Não me queres? Quero-te de mais por isso fujo. Expor-me tal como sou lutando contra um tempo que luta contra mim enredando o meu corpo no desejo e simultaneamente na velhice… Eu gosto do teu corpo. Mas eu não.Já Nao. (...) já passou o momento. Agora é so escondê-lo embrulhá-lo em agradáveis tecidos de seda e de algodão em agradaveis perfumes em sombras que não o deixem ver. Este jardim é escuro. Queimemos esta paixão."
I.K. Centeno, « Os jardins de Eva »,Asa,1998.
"Dans le rêve la rencontre avec l'Ange? Il me prend dans ses bras avec un cri d'amour"
I.K. Centeno, « Os jardins de Eva »,Asa,1998.
Escondido
Apenas pressentimento.
Nem em sonhos
te vimos tao belo.
Por isso te cobres
Ó Filho de Afrodite!
Quando o Amor diz que nao pode...
"...Decidiu escrever-lhe uma carta, muito séria, ponderada,com um toque de humildade a disfarçar a impaciência. Pensou em Goethe, esse génio universal que também se rebaixara a implorar uma entrada, e depois de ter entrado, a implorar uma subida, mais rapida do que a dos outros..."
Y.Y.Centeno,"Os jardins de Eva"
Asa, 1998
Eu nao sou Goethe, mas sou humano, como ele... ainda espero a resposta...
Queres ouvir?
Eu conto...
Ha tantas maneiras de começar...(as historias de amor)
Era uma vez um Rei...
"O que pode o Amor?"
Questão ociosa...
So interessa a quem nao ama.
Os outros não querem falar...
Quem nao ama, fica na mesma,
com ou sem respsta, é igual: nunca sabera.
"O que pode o Amor?"
"...Comment les personnes que j'aime pourraient-elles me manquer alors que
je suis rempli de leur présence ? Je ne crains pas non plus qu'elles m'oublient
puisqu'en partant, elles ont emporté de moi tout ce que j'ai su leur donner.
La vérité, mon ami, c'est que je ne peux déplorer ton absence puisque
je suis habité par toi. Si cela était, je devrais admettre que, une fois parti,
tu ne m'habites plus.
Mais si je t'aime, cela ne peut se produire. Pauvre de moi si, à chaque fois qu'une personne aimée s'en va, mon orchestre arrêtait de jouer !"
Anthony de Mello,"Libres Enfin"-
Escritor jesuita indiano de ascendência portuguesa(Goa)
"O que pode o Amor?"
De la tentation
« … Il n’y aura pas dans le timbre de sa voix la note aiguë de l’espoir (…)
Donc souvent il répondra avec l’honnêteté d’une fourmi ( en anglais, comme nous le lui prions ), exactement ceci : « on va voir ». En ce cas aussi tout est dans la voix. Selon le poids la vitesse la hauteur de la clarté l’infléxion le volume la chaleur l’humidité le message pourrait varier violemment.
Tous deux vont s’accorder afin de dire ceci :
- Est-ce que je te vois la semaine prochaine?
- On va voir.
Et non pas cela :
- On va voir.
Dans le premier cas tout est caresse. Dans le deuxième cas on entend la petite cassure souterraine qui ne prédit rien de bon."
Hélène Cixous,"La fiancée juive - De la tentation »,Des femmes, 1995,p.109.
Comme ceci :
olá...
Comme ceci :
olá...
la voilà, "la petite cassure souterraine"!
sim ...
et "tout est caresse"!
"O que pode o Amor?"
Um sentido
Porque há um sentido
no lírio, incensar-se;
e no choupo, erguer-se;
e na urze arborescente,
ampliar-se;
e no cobre, primeira cura,
que dou à vinha,
procriar-se.
E outro, pressago,
sentido há na memória,
explodir-se.
E outro, imensurável,
no amor, entregar-se.
E outro, definitivo,
na morte, render-se.
Antonio Osorio,"O Lugar do Amor", 1981
O que pode, não sei.
Mas que dá pano para manga, isso já se ve.
De.
E Tu és capaz de caminhar assim.
Quem to ensinou?
«Uma só coisa é necessária: a solidão, a grande solidão interior. Caminhar em si próprio e, durante horas, não encontrar ninguém - é a isto que é preciso chegar.»
R.M. Rilke
"O que pode o Amor?"
"...Rien de plus intime, dira-t-on, que l'amour, là où l'on fait l'amour. Mais que fait-on avec l'amour en tant qu'être humain et animal? C'est une question de vie ou de mot bien-sûr, mais c'est une question universelle, la première. C'est-elle qui subvertit qui hante toutes les scènes dans lesquelles nous nous déplaçons, toutes celles qui semblen être professionnelles, extérieures, "extimes", politiques, etc. Pour moi il s'agit toujours de mise en question de l'amour..."
H. Cixous, in "Le monde des livres", vendredi 16 décembre 2005
... nenhum cerco é puro...
Eugénio de Andrade, »Trocar de rosa », René Char, Círculo de Leitores, 1987
Inscrição
Na face dele havia risos vivos
que lhe escorriam da alma para a boca
... ... ... ... ...
Jà cà não està jà não pisa estes prados
nem sobre ele se desdobra rubro este céu
Nao hà para ele palavra possivel
Ele é como a camélia que morreu
Ruy Belo, "Aquele grande rio Eufrates", Moraes Editores, 1972, p.24
Para a dedicaçao de um Homem
Terrivel é o homem em que o senhor
desmaiou o olhar furtivo de searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Nao ha conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra desse homem
nao ha outra que o diga a ele proprio
é terrivel ter o destino
da onda anonima morta na praia
Ruy Belo, "Aquele grande rio Eufrates", p. 13
Pôr do sol na Boa-Nova
Mar alma na tarde morta
que cortas dedos na luz
abro-me todo: sou porta
que so contigo transpus
Ruy Belo...
...
Comamos e bebamos que amanha morreremos
Diverte-te noite e dia gilgamesh
desfruta o espectaculo das crianças
mais atraente na verdade que o das sombras
quando atravessam o rio houbour...
Oh as falas sem futuro de amanha no autocarro
um autocarro de reivindicações
Caminhamos para a morte sobre os pés
As novas casas vêm apagar em nos a memoria das velhas...
Ruy Belo, " aquele grande rio eufrates", p.128
"O que pode (soulager) o Amor?"
Medicina antiga
Uma purga, uma amputação, uma sangria como na medicina antiga.
Ou, como nos submarinos, uma descompressão, fumos e ventos e turbulência.
Pedro Mexia, in "Estado Civil", hoje,22.9.07.
"O que pode o Amor?"
...e o amor, que coisa isso fosse, uma infecção.
«Wanting do Die», de Anne Sexton (versão Pedro Mexia).Do livro Live or Died, 1966.
"O que pode o Amor?"
Nascimento
Sabe exactamente quando aconteceu. Ao fim do dia, sozinha, depois de ter apagado as luzes, começou a tremer como se lhe tivesse nascido outro filho.
O corpo não se engana.
"O que pode o Amor?"
- " Love and Death "!
Woody Allen
" ... o outro... que se guarde com estima o sentimento que nos dirigiu...
"O que pode o Amor?"
Remate para o anonimo que cita Pedro Mexia:
"... E eu sem ter morrido.
Quem me dera um hospital onde pudessem cuidar de mim como última paga por este tão grande amor."
António Pinto Ribeiro, "Melancolia, Ambar, 2003 pp.106-107.
PM faz-me pensar que há sentimentos que tem de ser descartáveis, a certa altura. A irradicar, como algo perturbador, no caso da infecção. A escolha do meu remate, vai, precisamente no sentido oposto - que se leve em linha de conta o outro, que se guarde com estima o sentimento que nos dirigiu, ainda que não haja sintonia. Isto é da ordem da maturidade que sabe ser generosa no sentido nobre do termo.Isto é algo que respeito profundamente .
"O que pode o Amor?"
être toujours le même
et plus jamais comme avant
"O que pode o Amor?"
Dès qu'elle a appris à ouvrir des huîtres toute seule, elle rêve de ce moment où, avant de les mener délicatement à sa bouche, leur boire le parfum, les manger vivantes, le jus de mer commence par lui tremper ses mains...
«Segunda pessoa»
"... És só o pronome, tu,
(...) És a sílaba que dói ...
Óscar Lopes (recolhido por José do Carmo Francisco)
"O que pode o Amor?"
A palavra
Vontade cega, de muitos nomes, da vida toda. No fim, de olhos abertos, a vida ao contrario, ouvimo-nos gritar: Mãe (!) Apaga-se a luz.
Meu Amor.
"O que pode o Amor?"
"... Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias."
Sophia de Mello Breyner Andresen, Retrato de Mónica, Figueirinhas.
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