© Henrique Figueiredo
Alguns dias depois de Vera Santos (Porto, 1973) começar a sua residência no Sítio das Artes sofreu uma lesão no menisco, enquanto dançava. «É o que de mais comum pode acontecer a um bailarino ou a um jogador de futebol», diz a sorrir. Explica que isso não a impediu de continuar o seu trabalho e que «as coisas apenas tomaram outra direcção.»
O seu primeiro projecto coreográfico surgiu em 1999, a partir das histórias que a avó lhe contava, vezes sem conta, usando muito as mãos e repetindo os mesmo gestos, sempre nos mesmos momentos. Em palco, o guião que Vera elaborou não teve exactamente o resultado que pretendia. Por isso decidiu fazer uma segunda experiência. Surge entretanto o Curso de Coreografia do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística. Ter sido seleccionada entre muitos outros candidatos foi um sinal de que este era «um caminho a seguir». É na sequência dessa formação que desenvolve um novo projecto, como segunda parte do que tinha feito com a avó. Só que desta vez a neta estava sozinha. Chamou-lhe "Ausência (memória descritiva)" - é possível ver imagens em DVD no CAMJAP - e Vera descreve a peça, que também interpreta, como um «dueto com o espaço». Há um relacionamento com os objectos, com as memórias a partir das quais se recria o que está ausente. No momento final, Vera simplesmente desaparecia do palco, apanhando de surpresa os espectadores. Perante esta ausência repentina, o público ficava em suspensão. Esta reacção foi também surpreendente para a coreógrafa e intéprete. E assim decide dar continuidade ao projecto, criando uma terceira parte: "Desaparecimento". E o que desaparece? É o intérprete? É o espaço? Ou é o próprio público?
De onde vem a força dessa ausência? Transpondo o âmbito do espectáculo, Vera relembra que esse 'não-estar' é muito utilizado estrategicamente pelos políticos, quando se retiram de cena em determinados momentos-chave. E aplica-se também a outras dimensões da nossa vivência em sociedade. No seu trabalho, Vera quer que o público se envolva. Como? - é a questão que se tem colocado. Ela sabe no entanto aquilo que não quer fazer: nem truques de ilusionismo nem provocar constrangimento nos espectadores, apesar de desejar a sua participação.
Para o Open Studio de 28 de Julho, Vera está a preparar uma série de acontecimentos no espaço (em princípio também vai utilizar o vídeo), onde surgem coisas desaparecidas. Trabalha-se a ideia de perda, estabelece-se um jogo entre apagar e ser apagado, e cria-se uma estranheza entre o que pode e não pode acontecer.
Já depois de termos dado a conversa por terminada, voltamos atrás para perguntar se o que está a preparar é "performance". Vera sorri, hesita, diz-nos que tem pensado nisso. Meia-hora depois chega o veredicto por telefone: «É dança. Estou a preparar uma dança para este espaço.» Que é para onde vão as coisas quando desaparecem.
terça-feira, 17 de julho de 2007
Para onde vai o que desaparece?
Publicada por EdM à(s) 17:36
Etiquetas: Sítio das Artes
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16 comentários:
"...«É dança. Estou a preparar uma dança para este espaço.»
Que é para onde vão as coisas quando desaparecem."
sim, para ti, ao teu encontro à tua procura e tu recebe-las...
XL
"... Tão longamente quanto desejares..."
"Que é para onde vão as coisas quando desaparecem."
Era o assunto da conversa, esta manhã na praça cheia de sol: o que mais novos guardam de nos, dos avos...
- comprei perpétuas, mãe, as flores de "papel" que a avó tinha no jardim.
Flores, cheiros, sabores, histórias - memórias - durante muito tempo "fora de cena" voltam um dia para serem inscritas na vida. Na dança.
Que belo lugar!
procuramos-te...
e tu cumpres a promessa: irrompes no final!
Criados no meio do granito, educados para o monumental - o que permanece - nao compreendiamos a arte do instante. "Vimo-la" pela primeira vez com os olhos dos filhos em Madrid na inauguraçao do Museu R Sofia, desconfiados...
Ouvir os mais novos, escuta-los, compreendê-los, aprender com eles, não é facil. Sairam de nos e ja tao dist ant es no gosto no modo de viver, de sentir de criar...
O Sitio das Artes é um ponto de encontro marmaravilhoso para estar con...
o instante da tarde
deixamos o jardim
descemos à cidade mas
contigo...
um passo de dança, nunca um passe de mágica...
depois conta-me como é. Ou talvez eu sonhe
Sonha que eu conto...
mas tu sabes melhor do que ninguém que a dança é a magia pura. Todos os magos dançam...
Sozinhos?
Trabalha-se a ideia de perda, estabelece-se um jogo entre apagar e ser apagado, e cria-se uma estranheza entre o que pode e não pode acontecer."
Bem sabes que tudo já aconteceu. Não há surpresas.
Novidade só porque és tu.
Tu és a surpresa por isso te amamos.
a ti ant es de tudo
b bom dia
Por mim regressas pra onde sempre estiveste: no cetro do coração, da memória e da presença/ausência.
Onde ficou a inocência? Há tantos anos, tantas vidas, tantas recordações...
O teu lugar será sempre(escondida ou visível)um mapa de viajem inacabada. A vida, por vezes, não dá tempo a não ser para ser somente pressentida. Sabes isso. Fica sempre O TEMPO.
O.F.
"A figura da Ausência em tudo o que não se diz (...) essa Ausência que nos envolve completamente, que é absorvida e que se funde com tudo aquilo que possamos ser..."
(o quarto do filho)
Ausência não é um vazio, mas uma distancia...
Parabéns
GG
Acho que a ausência na sua concepção, não é o que imaginamos, mas uma imensa vontade de se sentir preenchida.
Este desaparecimento não deve ser entendido como um "sumiço", mas uma enorme vontade de estar presente e ser notado. Ser um dos focos para onde todos olham.
Nada tem a ver
Duvidamos da figuraçao da figura...
Não pode ser.
E se fosse verdade?
Não pode ser.
Possivelmente não.
Improvavelmente.
Chego ao fim.
Tenho a certeza.
Nada tem a ver...
belo mote!:
"Que é para onde vão as coisas quando desaparecem. "
bem-me-quer...
mal-me-quer...
bem-te-quero
malmequeres
eu gloso
tu glosas...
Apenas g'losos.
"Para onde vai o que desaparece?"
Isto me parece ligado a importância do que não aparece.
Quanto desaparece, e nem nos damos conta?
A artista Re-vela?
A dança muda a forma do parecer?
Lá vou eu ladeira abaixo...
De.
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