terça-feira, 17 de julho de 2007

Para onde vai o que desaparece?


© Henrique Figueiredo

Alguns dias depois de Vera Santos (Porto, 1973) começar a sua residência no Sítio das Artes sofreu uma lesão no menisco, enquanto dançava. «É o que de mais comum pode acontecer a um bailarino ou a um jogador de futebol», diz a sorrir. Explica que isso não a impediu de continuar o seu trabalho e que «as coisas apenas tomaram outra direcção.»

O seu primeiro projecto coreográfico surgiu em 1999, a partir das histórias que a avó lhe contava, vezes sem conta, usando muito as mãos e repetindo os mesmo gestos, sempre nos mesmos momentos. Em palco, o guião que Vera elaborou não teve exactamente o resultado que pretendia. Por isso decidiu fazer uma segunda experiência. Surge entretanto o Curso de Coreografia do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística. Ter sido seleccionada entre muitos outros candidatos foi um sinal de que este era «um caminho a seguir». É na sequência dessa formação que desenvolve um novo projecto, como segunda parte do que tinha feito com a avó. Só que desta vez a neta estava sozinha. Chamou-lhe "Ausência (memória descritiva)" - é possível ver imagens em DVD no CAMJAP - e Vera descreve a peça, que também interpreta, como um «dueto com o espaço». Há um relacionamento com os objectos, com as memórias a partir das quais se recria o que está ausente. No momento final, Vera simplesmente desaparecia do palco, apanhando de surpresa os espectadores. Perante esta ausência repentina, o público ficava em suspensão. Esta reacção foi também surpreendente para a coreógrafa e intéprete. E assim decide dar continuidade ao projecto, criando uma terceira parte: "Desaparecimento". E o que desaparece? É o intérprete? É o espaço? Ou é o próprio público?

De onde vem a força dessa ausência? Transpondo o âmbito do espectáculo, Vera relembra que esse 'não-estar' é muito utilizado estrategicamente pelos políticos, quando se retiram de cena em determinados momentos-chave. E aplica-se também a outras dimensões da nossa vivência em sociedade. No seu trabalho, Vera quer que o público se envolva. Como? - é a questão que se tem colocado. Ela sabe no entanto aquilo que não quer fazer: nem truques de ilusionismo nem provocar constrangimento nos espectadores, apesar de desejar a sua participação.

Para o Open Studio de 28 de Julho, Vera está a preparar uma série de acontecimentos no espaço (em princípio também vai utilizar o vídeo), onde surgem coisas desaparecidas. Trabalha-se a ideia de perda, estabelece-se um jogo entre apagar e ser apagado, e cria-se uma estranheza entre o que pode e não pode acontecer.

Já depois de termos dado a conversa por terminada, voltamos atrás para perguntar se o que está a preparar é "performance". Vera sorri, hesita, diz-nos que tem pensado nisso. Meia-hora depois chega o veredicto por telefone: «É dança. Estou a preparar uma dança para este espaço.» Que é para onde vão as coisas quando desaparecem.

16 comentários:

Anónimo disse...

"...«É dança. Estou a preparar uma dança para este espaço.»
Que é para onde vão as coisas quando desaparecem."

sim, para ti, ao teu encontro à tua procura e tu recebe-las...

XL
"... Tão longamente quanto desejares..."

Anónimo disse...

"Que é para onde vão as coisas quando desaparecem."

Era o assunto da conversa, esta manhã na praça cheia de sol: o que mais novos guardam de nos, dos avos...
- comprei perpétuas, mãe, as flores de "papel" que a avó tinha no jardim.
Flores, cheiros, sabores, histórias - memórias - durante muito tempo "fora de cena" voltam um dia para serem inscritas na vida. Na dança.
Que belo lugar!

Anónimo disse...

procuramos-te...
e tu cumpres a promessa: irrompes no final!

Anónimo disse...

Criados no meio do granito, educados para o monumental - o que permanece - nao compreendiamos a arte do instante. "Vimo-la" pela primeira vez com os olhos dos filhos em Madrid na inauguraçao do Museu R Sofia, desconfiados...

Ouvir os mais novos, escuta-los, compreendê-los, aprender com eles, não é facil. Sairam de nos e ja tao dist ant es no gosto no modo de viver, de sentir de criar...

O Sitio das Artes é um ponto de encontro marmaravilhoso para estar con...

Anónimo disse...

o instante da tarde
deixamos o jardim
descemos à cidade mas
contigo...

Anónimo disse...

um passo de dança, nunca um passe de mágica...
depois conta-me como é. Ou talvez eu sonhe

Anónimo disse...

Sonha que eu conto...
mas tu sabes melhor do que ninguém que a dança é a magia pura. Todos os magos dançam...
Sozinhos?

Anónimo disse...

Trabalha-se a ideia de perda, estabelece-se um jogo entre apagar e ser apagado, e cria-se uma estranheza entre o que pode e não pode acontecer."

Bem sabes que tudo já aconteceu. Não há surpresas.
Novidade só porque és tu.
Tu és a surpresa por isso te amamos.

Anónimo disse...

a ti ant es de tudo
b bom dia

Anónimo disse...

Por mim regressas pra onde sempre estiveste: no cetro do coração, da memória e da presença/ausência.
Onde ficou a inocência? Há tantos anos, tantas vidas, tantas recordações...
O teu lugar será sempre(escondida ou visível)um mapa de viajem inacabada. A vida, por vezes, não dá tempo a não ser para ser somente pressentida. Sabes isso. Fica sempre O TEMPO.
O.F.

Anónimo disse...

"A figura da Ausência em tudo o que não se diz (...) essa Ausência que nos envolve completamente, que é absorvida e que se funde com tudo aquilo que possamos ser..."
(o quarto do filho)

Ausência não é um vazio, mas uma distancia...

Parabéns
GG

Anónimo disse...

Acho que a ausência na sua concepção, não é o que imaginamos, mas uma imensa vontade de se sentir preenchida.

Anónimo disse...

Este desaparecimento não deve ser entendido como um "sumiço", mas uma enorme vontade de estar presente e ser notado. Ser um dos focos para onde todos olham.

Anónimo disse...

Nada tem a ver

Duvidamos da figuraçao da figura...
Não pode ser.
E se fosse verdade?
Não pode ser.
Possivelmente não.
Improvavelmente.

Chego ao fim.
Tenho a certeza.
Nada tem a ver...

Anónimo disse...

belo mote!:

"Que é para onde vão as coisas quando desaparecem. "


bem-me-quer...
mal-me-quer...

bem-te-quero
malmequeres


eu gloso
tu glosas...

Apenas g'losos.

Anónimo disse...

"Para onde vai o que desaparece?"

Isto me parece ligado a importância do que não aparece.

Quanto desaparece, e nem nos damos conta?

A artista Re-vela?

A dança muda a forma do parecer?

Lá vou eu ladeira abaixo...

De.