domingo, 10 de junho de 2007

Ainda o jardim


©Henrique Figueiredo

O Ócio

Dorme descuidado o peito e repousam os pensamentos graves.
Vou para o prado lá fora, onde a erva me brota
Fresca, como a fonte, da raiz, onde o lábio amoroso da flor
Se abre para mim e mudo com hálito doce me bafeja,
E em mil ramos do bosque, como em velas a arder,
Me brilha a chama da vida, a avermelhada flor,
Onde na fonte com sol os peixes contentes se agitam,
Onde a andorinha esvoaça c'os filhos loucos à volta do ninho,
E as borboletas se alegram e as abelhas; e aí vou eu
Por entre os seus prazeres; e eis-me no campo pacífico
Como um ulmeiro amoroso, e como vides e uvas
Enroscam-se a mim os doces jogos da vida.
...


in "Poemas de Hölderlin", trad. Paulo Quintela, Atlântida, Coimbra, 1959.

APR

6 comentários:

Anónimo disse...

Hölderlin" e sa de Miranda, ou o tom vagamente saudoso...
so o tom...

As aves de Sá de Miranda

«O sol é grande, caem co´a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que soe ser fria;
esta água que d´alto cai acordar-me-ia
do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu´em vós confia ?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.»

Do soneto de Sá de Miranda, escritor do século XVI, in ANDRADE, Eugénio, Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, Porto, Campo das Letras, 2001, pág. 124.

Anónimo disse...

Soneto completo

O SOL É GRANDE

O sol é grande: caem co'a calma as aves,
Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que de alto cai acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas todas vãs, todas mudaves,
Qual é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Vi tantas águas, vi tanta verdura,
As aves todas cantavam de amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
Também mudando-me eu fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura!

Anónimo disse...

"Vou para o prado lá fora"

Manuel Bandeira, outro tempo, outro espaço,e sempre a procura "do là fora", neles e em nos...


Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada.

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei



Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive



E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada



Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar



E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

"Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986.

Anónimo disse...

(...)E em mil ramos do bosque, como em velas a arder,
Me brilha a chama da vida, a avermelhada flor,
Onde na fonte com sol os peixes contentes se agitam,
Onde a andorinha esvoaça c'os filhos loucos à volta do ninho,
E as borboletas se alegram e as abelhas; e aí vou eu..."

Outro convocado:

Francis Ponge

"L'approbation de la nature"


"(...Une description parfaite c'est une façon de serrer les dents, une façon de ne pas crier, vous me comprenez bien ?
(...)
Il faut que les compositions que vous ne pouvez faire qu'à l'aide de ces sons significatifs, de ces mots, de ces verbes, soient arrangées de telle façon qu'elles imitent la vie des objets du monde extérieur. Imitent, c'est-à-dire qu'elles aient au moins une complexité et une présence égales. Une épaisseur égale."

Francis Ponge
La Pratique de la littérature
Gallimard, 1956

"Donner à jouir à l'esprit humain
Non pas seulement donner à voir, donner à jouir au sens de la vue (de la vue de l'esprit), non ! donner à jouir à ce sens qui se place dans l'arrière-gorge : à égale distance de la bouche (de la langue) et des oreilles. Et qui est le sens de la formulation, du Verbe.
Ce qui sort de là a plus d'autorité que tout au monde : de là sortent la Loi et les Prophètes.

Francis Ponge, My creative method
Gallimard, 1961

Anónimo disse...

ainda Francis Ponge...

"(...)Si je voulais montrer que la pureté ne s'obtient pas par le silence, mais par n'importe quel exercice de la parole
(dans certaines conditions, un certain petit objet dérisoire tenu en mains), suivi d'une catastrophe subite d'eau pure..."

Anónimo disse...

Francis Ponge
a referência que faltava...


Le Savon
Coligny, juin 1943.
THEME ABSTRAIT
(Notion de la toilette intellectuelle)
Si je voulais montrer que la pureté ne s'obtient pas par le silence, mais par n'importe quel exercice de la parole (dans certaines conditions, un certain petit objet dérisoire tenu en mains), suivi d'une catastrophe subite d'eau pure,
Quel objet conviendrait-il mieux que le savon ?

*

Violente envie de faire toilette.
Cher lecteur, je suppose que tu as parfois envie de faire toilette ?
Pour ta toilette intellectuelle, lecteur, voici un texte sur le savon.
*


Coligny, juin 1943.
... Voici donc, cher lecteur, pour ta toilette intellectuelle (si tu es de mes amis, tu en sens parfois impérieusement le besoin), voici un petit morceau de vrai savon.
C'est que l'homme, en effet, ne peut se décrasser à l'eau simple, serait-ce sous des torrents à s'y noyer, ni au vent frais, si parfumé soit-il, ni par le silence, ni par la prière (serait-ce, dans le Jourdain, immergé jusqu'à la ceinture), ni par le suicide en la plus noire source (malgré toutes sortes de préjugés courant là-dessus).
Il y faut - et il y suffit, mais il y faut - dans la main (dans la bouche) quelque chose de plus matériel...
Francis Ponge, Le Savon
Gallimard 1967