terça-feira, 24 de julho de 2007

Resgatar, reagrupar, reconstruir


© Henrique Figueiredo

«Toda a gente tem uma relação com o desenho e constantemente se elegem linhas na paisagem», diz Virgínia Mota (Matosinhos, 1976). É uma artista plástica que gosta de fazer caminhadas, como processo mental. Em 2004, ano de muito calor e grandes incêndios, fez um levantamento junto da Direcção Geral de Florestas das áreas ardidas. Quis percorrê-las, carregando fisicamente essa experiência, sentindo debaixo dos pés o «chão frágil». Apanha carvão e cinzas. A paisagem foi apagada - estão ali as provas - mas a Natureza renova-se, e de alguma forma há-que celebrar essa capacidade de renascimento. Surge um primeiro trabalho da série A morte tem sempre um depois. Com apenas papel e cinza constrói de novo. Durante a residência artística que agora termina, Virgínia fez mais trabalhos dentro desta lógica (ver imagem em cima). O conhecimento dos materiais vai-se apurando, criam-se «receptáculos», tirando partido das características do papel. Põe a girar o carvão num instrumento de olaria e dessa observação das marcas do fogo a baixa velocidade resulta um vídeo, Exercício Lento.


© Henrique Figueiredo

A caminhada continua pela cidade. No bairro onde vive em Lisboa, Virgínia repara nos pares de sapatos usados de que as pessoas se desfazem. São deixados na rua e decide resgatar alguns. Reconhece-lhes uma «natureza anterior»: todos contam uma história, contendo uma dimensão que é simultaneamente individual e universal, e assim tornam-se «um colectivo». Neste momento ocupam a entrada do Sítio das Artes (foram deslocados de onde estavam na altura da fotografia em cima), transformada em espaço verde. Pelo reagrupar das sobras do corte de relva no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, reconstrói-se um «não-chão». Essa «pausa» faz-se com a ajuda dos visitantes no CAMJAP, que deixam o seu trilho na relva, a marca do seu próprio caminho. E os sapatos voltarão à rua, no seu devido tempo. O ciclo não tem fim.

4 comentários:

Anónimo disse...

O ciclo tem fim

- de quem é a palavra?
- do corpo.

- e o corpo?
- daqueles que lhe pegarem
para o enterrar.

Anónimo disse...

CRUZADA

"Quis percorrê-las, carregando fisicamente essa experiência, sentindo debaixo dos pés o «chão frágil». Apanha carvão e cinzas. A paisagem foi apagada - estão ali as provas - mas a Natureza renova-se, e de alguma forma há-que celebrar essa capacidade de renascimento. Surge um primeiro trabalho da série A morte tem sempre um depois. Com apenas papel e cinza constrói de novo."


"... Prenez Augustin, prenez le petit François, prenez Job, prenez Dieu: des combats, des coups bas du premier jour jusqu'au dernier, une vie de fous. Prenez l'amour promis pour cinquante ( cinquante-et-un, cinq-cinq, cinquante-huite années...) si ce n'est pas l'orage alors c'est la croisade."

Hélène Cixous, La fincée juive-De la tentation, Des femmes, 1995.

Anónimo disse...

Caminhar em Lisboa, no mundo, no EdM
com muita gente:
Virginia, Pedro Costa...
agora pensamos nele...

"A caminhada continua pela cidade. No bairro onde vive em Lisboa, Virgínia repara nos pares de sapatos usados de que as pessoas se desfazem. São deixados na rua e decide resgatar alguns. Reconhece-lhes uma «natureza anterior»: todos contam uma história, contendo uma dimensão que é simultaneamente individual e universal, e assim tornam-se «um colectivo». Neste momento ocupam a entrada do Sítio das Artes "

Anónimo disse...

Primeiro, "Resgatar..."

Primeiro, o sim ...
Depois, esperamos ver sentir "debaixo dos pés o chao"... sentir os pés...