quarta-feira, 25 de julho de 2007

«Pintar o que não se vê»


© Henrique Figueiredo

Uma das ferramentas do Google Earth, programa que permite obter imagens via satélite, serve para a visualização de construções 3D. Acontece com as grandes cidades, com os locais mais turísticos, com os monumentos. Mas não acontece com o Bairro Branco, por exemplo, um bairro social - e problemático - nos arredores de Almada. Miguelangelo Veiga (Lisboa, 1974) conhece-lhe as coordenadas (e de outros bairros com as mesmas características) e fez delas o ponto de partida dos trabalhos que tem estado a desenvolver no Sítio das Artes.

Uma vez impressas as fotografias que tira da internet, vistas aéreas a duas dimensões, decalca e compõe módulos, fazendo «uma interpretação própria da relação entre volumes». Organiza os edifícios, faz uma «limpeza do caos» destes bairros. Do preto ao branco, procura um equilíbrio entre desenho e pintura. Para trabalhar utiliza um compressor, que pulveriza a tinta sobre o papel (reminiscência dos grafitis que fazia na adolescência, em Almada, junto ao Rio Tejo?), no sentido de homogeneizar, evitando o contacto físico entre o autor e a peça, eliminando assim texturas. As linhas resultam certas, sem desvios, com a ajuda das 'máscaras', fitas que delimitam a tinta sobre o desenho.

Esta «colocação no mapa» de zonas muito específicas do tecido urbano, para as quais a sociedade prefere não olhar (ou conhecer de perto), está ligada, parece-nos, ao interesse de Miguelangelo pela arquitectura, na medida em que ela existe e é feita para as pessoas. Mostrou-nos também outros trabalhos recentes, anteriores à residência artística no CAMJAP, a que chamou Groundzero. O título remete imediatamente para o 11 de Setembro. Imagens realizadas com o mesmo método, a regra e esquadro, linhas que podiam definir um qualquer edifício (ou apenas uma forma geométrica). Com um pormenor crucial, que são os pequenos círculos brancos (vazios) que 'mancham' o desenho. Miguelangelo recusa intenções moralistas no seu trabalho, mas a explicação que nos dá é plena de sentido: os círculos recortam as pessoas que em desespero saltaram das Torres Gémeas depois do embate dos aviões. O gesto de apagar esse «erro» do desenho torna-se evocativo, de uma forma desconcertante, exactamente pelo que não se vê.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Desconcertadamente juntos..."

Tudo tao conceptual e "desconcertadamente" pratico: "Da ideia ao gesto...". Gestos novos, mais do que pessoais, individuais. é bom poder acompanhar este modo de ver e ("representar" ?) o mundo...
muito bom.