sábado, 19 de maio de 2007

Comentário minimal sobre lição maximal


Professor Marc Ferro, FCG, 18 de Maio 2007

A um primeiro momento de espanto face a uma tão grande e histórica sabedoria - trata-se de facto de um sábio, dos raros ainda possível de encontrar nos tempos de hoje - segue-se uma alegre estranheza: como um historiador que vem da história social, dos "Annales", apresenta uma tese sobre o ressentimento que faz mover a história; ou de outro modo, como se valoriza assim e se reconhece com autoridade a importância dos sentimentos colectivos e individuais no fazer História.

APR

11 comentários:

Anónimo disse...

Lamento não concordar com a avaliação de lição maximal. Algo simplista e muito ambígua conceptualmente, a teoria do “ressentimento” é interessante como exercício e metáfora. Realça o que o presente esquece por vezes, que a formação e o crescimento da maioria das nações foi e é feito de sangue e lágrimas, vencedores e vencidos, opressores e oprimidos, que esses papeis se invertem frequentemente e que os factores sociais, a religião, a etnia, o território, a cultura podem ser, em momentos de crise profunda, demagogicamente manipulados em prole de interesses de expansão territorial, autonomia, afirmação económica, alteração do sistema político ou da organização económica e social, em momentos de apropriação ou acessão ao poder. Parece-me, contudo, que esta abordagem nem sempre foi explícita. Designadamente porque a problemática da “identidade” esteve sempre ausente do discurso de Ferro, sendo esta, creio eu, a central, na medida em que aquilo que ele nomeia como ressentimento é, primeiro que tudo, a afirmação daquilo que determinado grupo acredita que é – em termos sociais, políticos, culturais, históricos, étnicos – sobre aquilo que lhe foi imposto ou pela conjuntura do tempo e do espaço, ou pela vontade mais forte de outro grupo.

Por outro lado, os exemplos com que a teoria foi apresentada estiveram demasiadas vezes eivados de inexactidões históricas que enfraqueceram a sua eficácia – e Ferro é um historiador ... Pois, em vez de simplificar o complexo, tornaram-no simplista; em vez de demonstrar que a realidade histórica não é tão linear quanto uma leitura em longa duração pode fazer parecer, confirmou a percepção que o sendo comum tem do passado. Detenho-mo em apenas dois exemplos.

1 - Não se pode dizer que assim que Constantino se converteu ao cristianismo, os cristãos tenham perseguido e perseguido e massacrado os pagãos. Em primeiro lugar, porque não sabemos, hoje, se Constantino realmente se baptizou ou sequer se converteu, o que ele percebeu é que o cristianismo era um meio mais eficiente de governar o Império. Em segundo lugar, porque aquando a promulgação do édito de Milão por Constantino, em 313, o primeiro de tolerância em relação ao cristianismo, esta já não era uma religião minoritária no Império romano. Em terceiro lugar, o conflito é mais entre o Estado e os pagãos, devido à promulgação por Constantino de leis penalizadoras dos seus templos, do que entre a população pagã e a cristã (que é sobretudo uma luta à volta da capacidade de influenciar o poder). Para além disso a relação dos pagãos com o Estado é intermitente com os imperadores seguintes. Em quarto lugar, também surgem conflitos entre as diferentes facções de cristãos que começam entretanto a surgir. A aplicação do “ressentimento” a esta situação torna-a linear segundo critérios ideológicos tão manipuladores como os que se propõe contestar.

2 – Parece-me também incorrecto afirmar que as perseguições às heresias por parte da Igreja Romana, nomeadamente aos Cátaros, não têm a ver com a defesa, por estes últimos, de um regresso aos valores essenciais do cristianismo primitivo. Nem S. Bernardo de Claraval, nem S. Francisco de Assis foram considerados hereges e também o defenderam. Na verdade, os Cátaros afrontaram a estrutura de poder o Papado e alguns dos seus principais dogmas: acreditavam que o Bem e o Mal eram duas entidades de igual estatuto divino, a recusa dos sacramentos, a organização de uma hierarquia paralela à da Igreja e um baptismo pela imposição nas mãos e não pela imersão.

Obviamente que não se pedia este nível de pormenorização numa conferência com as características da realizada, mas talvez alguns exemplos, como os levemente aflorados da revolução russa de 1917 e a francesa de 1789, em que o idealismo da mudança deu lugar à violência do ressentimento, embora sempre com as devidas reticências, pudessem demonstrar a aplicação do exercício.

Creio desejar-se fomentar o debate, o olhar crítico sobre a realidade do presente, questionar as nossas certezas, ver por trás da simplicidade e uniformidade aparente das coisas, e não ir de encontro a algumas ideias feitas, a roçar a teoria da conspiração, que também as há mesmo quando se pretende ter um olhar crítico sobre o Estado do Mundo.

Anónimo disse...

A entrada da assistência condicionada à reserva de mais de metade dos lugares do auditório até às 18h 20m é que não me parece ser honesto numa conferência que estava anunciada como de entrada livre. A segunda sala não tinha as mesmas condições, nomeadamente não havia tradução simultânea. Porque não informar o público em geral que a entrada está condicionada aos lugares disponíveis, parece-me mais correcto.

Anónimo disse...

"Comentário minimal sobre lição maximal"

Uma bela síntese.

Marc Ferro, "a inteligência a brilhar", como dizia APR, antecipando as Lições.
Sabedoria, que acompanha, ampara o nosso tempo.

Nesta sintese, APR resume a essência da Lição de Marc Ferro, e, no seu testemunho, marcado pelo "espanto" e "uma alegre estranheza" temos o caminho para a alegria - recompensa » gratuita, partilhada -.

Anónimo disse...

Para o primeiro comentario, ou o "ressentimento" " à l'oueuvre"...

Jorge de Sena falou de "O Reino da Estupidez". Ainda ai estamos...

Anónimo disse...

pardon: " à l'oeuvre"

Anónimo disse...

Peço desculpa pelo primeiro comentário, fruto de um infeliz equívoco relativamente ao objectivo do blog. Pensei que era uma oportunidade democrática de debater as ideias apresentadas nas conferências, de intervir argumentando as nossas opiniões e reacções, para que pudessem ser discutidas, contra-argumentadas, desconstruídas, rebatidas, da qual podia resultar uma perspectiva mais enriquecida ou até uma mudança radical de opinião. Pois, discordar não significa necessariamente desgostar. Mas não, afinal está reservado às manifestações de espanto, alegria e auto-comprazimento de sermos superfícies reflectoras inteligência e sabedoria – é, de facto, adequado citar Jorge de Sena. Apesar do equívoco, considero que o “Estado do Mundo” é um raro e excelente acontecimento. Renovo as minhas desculpas.

Anónimo disse...

Mas os intervenientes no blogue nao sao donos dele, acho eu. Pode continuar e eu também, se os responsaveis o « autorizarem ».
Tem razao, nao contra-argumentei ; manifestei a minha opiniao talvez de modo simplista. Mas estamos de acordo quanto ao espaço democrático de discussão. Nao percebo é por que o coloca em causa. Pareceu-me entender que sugeria haver censura no EdM. Falou para mim, ou aproveitou-se de mim ?
Não entendi bem. Posso responder-lhe, se quiser, mas nao me parece que esteja muito interessado. Os seus destinatários são outros, não ?
Afinal eu tinha razao. « o ressentimento » « à l’œuvre »
Quando quiser…

Anónimo disse...

Não desista de comentar e problematizar, caro anónimo. Há aqui mais gente a lê-lo e a apreciar as suas clarividentes achegas e dúvidas; e menos interessada em "epifanias" ingénuas, para não referir novamente Sena.

Anónimo disse...

Tout est bien qui finit bien…

A questao foi recentrada. Na blogosfera também há gente sensata. Eu permito-me acrescentar ao " "epifanias" ingénuas", sem querer ofender ninguém, despudoradas.

Anónimo disse...

Concordo em absoluto com o primeiro comentário. Marc Ferro (uma referência como historiador da Escola dos Annales, etc. etc.) desiludiu(me) pelo facilitismo do discurso – sem dúvida agradável - e sobretudo pela falta de rigor histórico.
Não comento o facto de mais de metade da sala estar reservada a alunos de mestrado porque, entretanto, o nº de reservas foi circunscrito às primeiras filas.

Anónimo disse...

" (...) E deixo-te as rosas...

Boa noite. Eu vou com as aves."


Eugénio de Andrade